Entrevista – Marc Rubin

Marc Rubin

Nascido em Paris, na França, em 1931, Marc Boris Rubin – que faz questão de destacar que é um arquiteto brasileiro – chegou ao Brasil ainda criança, com 12 anos de idade. No ano de 1950, começou o curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Mackenzie, na cidade de São Paulo. Se formou em 1955 e seguiu sua carreira, juntamente com o colega de faculdade Alberto Botti, com quem abriu a Botti Rubin Arquitetos.

Muita coisa mudou no mercado imobiliário corporativo nos últimos 20 anos. Mas, se estendermos mais ainda esse prazo, conseguimos entender diversos pontos dessa mudança. E que tal estudar o case de uma das empresas de arquitetura mais influentes do Brasil? E se, além disso, essa mesma empresa for um exemplo de como manter os projetos atualizados, com experiência de mais de 60 anos?

Neste ponto, muitos leitores já entenderam que estamos falando da Botti Rubin Arquitetos. No final da década de 50, Alberto Rubens Botti e Marc Boris Rubin, recém-formados em arquitetura, criaram uma das mais reconhecidas empresas do setor. Mas não é somente isso, criaram uma empresa que, com traços diferenciados e atenção às tendências e à tecnologia, acabou por se tornar referência, por meio de empreendimentos icônicos e que marcam as principais mudanças de perfil das construções.

Ao longo desses mais de 60 anos de existência, a empresa, ainda comandada por seus fundadores, foi capaz de antecipar tendências e de atender às mais diversificadas demandas, incluindo a chegada de grandes empresas investidoras ao Brasil. Além de tudo isso, os projetos criados representam muitos dos melhores empreendimentos da cidade de São Paulo, certamente muitos dos que proporcionam a melhor imagem corporativa para os ocupantes.

E que tal conhecer um pouco mais sobre essa história e sobre essas ideias?

Para isso, a equipe da revista Buildings foi cordialmente recebida por Marc Rubin para uma entrevista exclusiva com um dos melhores arquitetos brasileiros. Confira a seguir!

Como era o mercado imobiliário corporativo no começo da sua carreira?

Para explicar isso, preciso dividir o segmento em duas tipologias diferentes, mas que explicam a formação do mercado atual. Naquela época, já tínhamos edifícios de escritórios em condomínios com salas para advogados, arquitetos e engenheiros, por exemplo. Do outro lado, tínhamos também prédios corporativos. Mas enquanto um mercado era dedicado a vender salas, a parte corporativa era formada por prédios construídos especificamente para as empresas, como, por exemplo, o prédio na Nestlé, um projeto nosso da década de 60. Hoje continua este mercado, mas muitos prédios de escritórios são construídos sem destinatário final e grandes empresas se instalam neles. Por outro lado, naquela época os prédios em São Paulo, em geral, não tinham ar condicionado, com exceção dos edifícios corporativos das grandes companhias. Nos outros tipos de prédios, as pessoas começaram a colocar unidades de ar condicionado nas janelas. Em alguns poucos casos, como o nosso, aqui no nosso prédio [Condomínio Edifício Plantar, na capital paulista, entregue em 1977], temos janelas sempre fechadas e ar condicionado central. Esse prédio é especial, fizemos com um grupo de amigos, sem incorporador, e cada um ficou com um andar e estamos aqui até hoje, depois de 35 anos.

Então, naquela época não existiam prédios com lajes grandes disponíveis para locação?

Depende do que se classifica como grande. Alguns andares eram relativamente grandes e, às vezes, divididos. Por outro lado, um condomínio tem uma manutenção, em geral, inferior a de um prédio corporativo e alguns mais antigos perdem valor por este motivo.

“Em geral, conseguimos uma expressão arquitetônica própria para cada um [projeto]. Mas os nossos projetos não são focados somente em lajes grandes, em geral fazemos vãos livres grandes e sem pilares internos, com liberdade de redivisão interna. Claro, isso não foi algo criado pela Botti Rubin, mas posso dizer que nos antecipamos nessa tendência.”

E o que mudou no mercado ao longo de todos esses anos de existência da Botti Rubin  Arquitetos?

Mudou tudo. Crescemos, e São Paulo virou uma cidade de mais de 10 milhões de habitantes. Muitas multinacionais chegaram e fizeram sedes maiores, ou alugaram espaços em prédios construídos para este fim. Naquela época, ainda existia certa autoridade dos presidentes locais das companhias multinacionais, ou seja, nessas empresas existiam diretores que tomavam as decisões. Hoje, existe dependência direta das sedes internacionais nas decisões tomadas.

Há 50 anos, não existiam, por exemplo, os prédios com fachadas praticamente todas  construídas em vidro, entre outros formatos diferenciados de arquitetura. Quais foram as tecnologias e as evoluções que permitiram essas mudanças?

A questão dos vidros tem, sim, relação com os arquitetos e o trabalho deles, assim como aqui na Botti Rubin. Mas essa evolução não aconteceria sem a ajuda da indústria de vidros, que criou vidros especiais, a exemplo dos refletivos, alguns também isolantes. Ou seja, além de permitirem uma fachada diferenciada, esses produtos deixam a luz entrar, ao mesmo tempo em que bloqueiam o calor. Foi uma evolução importante, assim como a generalização do ar condicionado em edifícios de escritórios, algo que também foi possível devido ao avanço da tecnologia. E, com isto, praticamente sumiram novos prédios com brises soleil.

Nos projetos da Botti Rubin Arquitetos, qual é o ponto de ligação da arquitetura com a eficiência?

Fazer todos os cálculos e estudar todas as possibilidades, para chegar até a melhor solução, é um processo que faz parte do nosso trabalho. Cada projeto é diferente em função da sua posição, do formato do terreno etc. Em geral, conseguimos uma expressão arquitetônica própria para cada um. Mas os nossos projetos não são focados somente em lajes grandes, em geral fazemos vãos livres grandes e sem pilares internos, com liberdade de redivisão interna. Claro, isso não foi algo criado pela Botti Rubin, mas posso dizer que nos antecipamos nessa tendência.

Os projetos da Botti Rubin têm essa característica de diferencial arquitetônico. Como é possível trabalhar sempre assim, durante tantos anos, e ainda manter essa linha de trabalho, mesmo em um mercado competitivo?

Primeiramente, olhamos a arquitetura como arquitetos, e não simplesmente em função do resultado financeiro a curto prazo. Mas não é só isso. Sempre procuramos criar uma arquitetura atemporal e que aproveite todas as novidades tecnológicas. Esse prédio aqui mesmo, onde está nosso escritório, tem mais de 35 anos e ainda é bem funcional dentro do padrão de lajes médias.

Podemos dizer que o sr., assim como a Botti Rubin, tem responsabilidade na paisagem urbana da cidade de São Paulo?

Com certeza, temos. Alguns dos prédios mais importantes da cidade são de nossa autoria. Todos os dias, quando você assiste o Jornal Nacional e a Globo News, por exemplo, com aqueles prédios atrás da ponte suspensa você vê projetos nossos. São seis desses icônicos, incluindo o C.E.N.U e o Hotel Hilton. Somos responsáveis pelo projeto de mais de 200 edifícios de escritórios, alguns dos maiores de São Paulo, nas localidades mais diferenciadas.

Hoje, os projetos de empreendimentos comerciais devem seguir diversas normas, seja por meio de leis ou de outros fatores. Estudando a história da Botti Rubin, notamos que muitas dessas características já eram aplicadas nos projetos de vocês, de forma pioneira. Como vocês tiveram essa visão?

Sem pretensão, sempre pensamos muito “para frente”. Não somente em projetos de escritórios, mas também de escolas, hospitais, residenciais e projetos públicos, como o Tribunal de Justiça de São Paulo que estamos fazendo na praça João Mendes. Muitos dos projetos, alguns dos maiores prédios da cidade, são projetos nossos. Todo paulistano conhece um prédio nosso ou ao menos já prestou atenção, ainda que de fora, a exemplo do Pátio Malzoni, na Faria Lima, que chama muito a atenção por ser de formato e dimensões excepcionais.

Quais são os empreendimentos mais icônicos da sua carreira?

Não são, necessariamente, os maiores. O Centro Brasileiro Britânico, onde fica o Consulado da Inglaterra, é projeto nosso. O Hospital Oswaldo Cruz, também. Isso para falar sobre projetos que não são só torres de escritórios.

Atualmente, como você pensa nos pedidos de projetos que chegam para a empresa?

Cada projeto é diferente. Tudo depende do contexto, do cronograma e da legislação. Hoje, a burocracia dificulta tudo. Todos querem tirar o máximo de tudo, tirar leite de pedra. Mas, independentemente disso, temos que respeitar as regulamentações que são às vezes  conflitantes e 15 Escritório & Industrial complicadas. Tem o que o cliente programa, as legislações específicas, o Plano Diretor etc., e, no meio de tudo isso, temos que acompanhar mudanças constantes. Você tem as normas do Corpo de Bombeiros, as normas da prefeitura, as normas do cliente, etc. Muitas vezes, elas são conflitantes, e isso dificulta muito qualquer aprovação.

“Muitos arquitetos inexperientes prometem fazer um projeto com custo baixo, mas não conseguem completá-lo. Não é difícil entender: se o custo de um projeto é de 2 milhões de reais com uma margem de lucro de 15% e aparece alguém dizendo que faz por 200 mil reais, não vai conseguir.”

Qual é a sua avaliação sobre o mercado de escritórios no Brasil?

A história se repete. De repente tem uma superprodução no mercado e, de repente, tudo para. Depois, começa tudo de novo. Hoje, vejo muitas áreas vazias e sabemos que o valor médio de aluguel do metro caiu. São muitos prédios em condomínios e isso muitas vezes gera problemas em relação à manutenção, o que pode gerar abandono em prédios antigos, sobretudo quando são muitos condôminos e alguns não conseguem contribuir para uma manutenção de qualidade. No nosso caso, aqui neste prédio, está tudo certo, porque são 12 proprietários e todos pagam a manutenção.

Hoje, passamos por um momento de saída de um forte movimento de flight to quality no mercado de escritórios. Como o sr. avalia a parte do estoque que foi desocupada, principalmente nos prédios mais antigos?

Tudo é em ciclo, logo mais começa tudo de novo. Mas, no meio disso, vejo que pode existir uma revitalização e que pode haver uma reocupação. O que não pode acontecer é o que aconteceu no centro de São Paulo há um tempo, com esses prédios abandonados.

Precisamos cuidar disso. E sobre o futuro, quais são as suas projeções para o nosso mercado?

Tenho que considerar que, para nós, em particular, posso dizer que acontecem coisas complicadas. Muitas pessoas procuram a gente para resolver problemas difíceis. E não estou falando nem de retrofit, é claro que se nos procurarem, nós fazemos. Em relação a algo mais amplo, não tenho o que dizer, pois ainda dependemos do cenário político.

Qual é a sua avaliação da arquitetura, como profissão, atualmente?

Hoje em dia, existe uma quantidade grande de escolas de arquitetura, formando gente que tem o direito de fazer qualquer coisa, independentemente de uma formação mais completa. Então, existe uma sobra de arquitetos prestes a prometer qualquer coisa, por qualquer preço. Muitas vezes não existe experiência para fazer o que eles prometem. Não é qualquer médico recém-formado que pode fazer uma cirurgia de coração. Muitos arquitetos inexperientes prometem fazer um projeto com custo baixo, mas não conseguem completá-lo. Não é difícil entender: se o custo de um projeto é de 2 milhões de reais com uma margem de lucro de 15% e aparece alguém dizendo que faz por 200 mil reais, não vai conseguir. O mercado imobiliário é muito ganancioso. Para você fazer uma boa arquitetura, além da concepção você precisa de um bom desenvolvimento do projeto, e isso custa caro quando é bem feito. Vejo o pessoal gastando barbaridades de dinheiro com marketing, às vezes gasta-se muito mais com isso do que com o projeto, e acho que essa fórmula está errada, pois é o projeto que vai dar a qualidade do produto. Mas não acho que teremos prédios “descartáveis”, como tivemos há certo tempo, na região da Berrini, em São Paulo, prédios sem garagem e feitos para oferecer aluguel barato.

Para você, quais são os prazeres e os desprazeres da profissão de arquiteto?

Bom, vou começar pela parte chata, porque é algo que mudou com o tempo. O que só me dá desgosto é a burocracia que existe para as aprovações dos projetos, que podem durar anos. Esse é o maior desgosto. O que me dá prazer são os projetos de qualidade, dezenas de prêmios, centenas de prédios, centenas de publicações… e tudo isso com reconhecimento do mundo inteiro. Então, é simples, a qualidade da arquitetura e esse reconhecimento é o que me dá prazer.

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